Associações emitem nota em defesa da Lei da Ficha Limpa e das competências dos Tribunais de Contas
agosto 08, 2016
Nota pública em defesa da Lei da Ficha Limpa e das
competências dos Tribunais de Contas
As Associações representativas das categorias de Membros dos
Tribunais de Contas (Atricon, Abracom e Audicon), dos Membros do Ministério
Público de Contas (Ampcon), dos Auditores de Controle Externo (ANTC) e de
Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc), emitiram, no último
sábado (6), uma nota pública em defesa da Lei da Ficha Limpa e das competências
constitucionais dos Tribunais de Contas. A nota é publicada no momento em
que o STF inicia a votação do Recurso Extraordinário (RE) nº848826, em que se
discute a competência dos Tribunais de Contas para julgar as contas de gestão
dos Prefeitos que atuam como ordenadores de despesas.
Veja aqui o texto completo:
As Associações representativas das categorias de Membros dos
Tribunais de Contas (Atricon, Abracom e Audicon), dos Membros do Ministério
Público de Contas (Ampcon), dos Auditores de Controle Externo (ANTC) e de Servidores
dos Tribunais de Contas do Brasil (Fenastc) representadas por seus respectivos
Presidentes, abaixo assinados, MANIFESTAM publicamente.
1. A Lei da Ficha Limpa corre sério risco de perder
efetividade. Está em pauta no STF, com votação já iniciada, o Recurso
Extraordinário (RE) nº848826, em que se discute a competência dos Tribunais de
Contas para julgar as contas de gestão dos Prefeitos que atuam como ordenadores
de despesas.
2. O entendimento de todos os Tribunais de Contas do Brasil,
do Tribunal Superior Eleitoral e do Ministério Público Federal, especialmente
após o advento da Lei da Ficha Limpa, é de que os Prefeitos se submetem a duplo
julgamento. Suas contas de governo – que têm um conteúdo limitado a aspectos
contábeis, orçamentários, financeiros e fiscais – são julgadas pela Câmara de
Vereadores, cabendo ao Tribunal de Contas, neste caso, a emissão de um Parecer
Prévio, que somente pode ser rejeitado pelo Legislativo por decisão de 2/3 dos
Vereadores. Na hipótese, porém, em que o Prefeito decide assumir a atribuição
de ordenador de despesas, os seus atos relativos ao processamento da despesa,
integrarão, como as de quaisquer outros administradores de recursos públicos,
as chamadas contas de gestão, cabendo o seu julgamento exclusivamente aos Tribunais
de Contas, sem participação do Legislativo, conforme estabelece o artigo 71, II
c/c artigo 75 da Constituição Federal.
3. A interpretação sistemática do artigo 31, 71, I e II, da
Carta da República, amparada no princípio da máxima efetividade da Constituição
Federal, deixa inconteste essa competência dos Tribunais de Contas. Tanto assim
que por meio do julgamento conjunto, em 2012, das ADI 4578, ADC 29 e ADC 30, o
STF declarou constitucional a Lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa),
inclusive a atual redação da alínea “g”, do artigo 1º, inciso I, da Lei
Complementar 64, que torna inelegíveis os que tiverem contas julgadas
irregulares (por falhas insanáveis caracterizadores de improbidade dolosa)
pelos Tribunais de Contas, inserindo-se nesta alínea expressamente os
detentores de mandato eletivo que atuarem como ordenadores de despesas.
Destaque-se que na discussão sobre a constitucionalidade da referida “alínea
g”, restaram vencidos uma minoria de Ministros que excluía os Prefeitos da
incidência da norma por entenderem que estes, em qualquer situação, deveriam
ter contas julgadas pelas Câmaras de Vereadores
4. Neste momento, por meio do referido RE 848826, o Plenário
do STF volta a examinar a questão, tendo o Relator do Recurso, Ministro Luís
Roberto Barroso, votado pela manifesta competência dos Tribunais de Contas para
julgar as contas de gestão dos prefeitos que, por vontade própria, decidiram
ser ordenadores dos gastos, mantendo a decisão do TSE e seguindo parecer da
Procuradoria Geral da República.
5. Não se pode desconhecer a realidade dos pequenos
municípios brasileiros, nos quais os prefeitos efetivamente são os ordenadores
de despesas, realizando licitações, assinando contratos, empenhos, ordens de
pagamento e cheques. A estrutura da Presidência da República, dos governos
estaduais, das prefeituras de Capitais e demais grandes cidades, nas quais
secretários municipais são os ordenadores de despesas, não se repete na maioria
dos municípios, especialmente nas regiões mais pobres do País.
6. Prevalecendo o entendimento de que os Tribunais de Contas
poderiam apenas emitir Parecer Prévio sobre os atos de gestão e ordenações de
despesas na maioria dos Municípios, tem-se, sem sombra de dúvidas, o
enfraquecimento da efetividade do controle externo e de proteção do patrimônio
público, uma vez que às Casas Legislativas não foram conferidos os meios
constitucionais para assegurar o ressarcimento aos cofres públicos nos casos de
desvio de recursos e corrupção.
7. Tal interpretação – se vier a prevalecer – tornaria a Lei
da Ficha Limpa praticamente sem efeito, na medida em que, comprovadamente, a
rejeição de contas pelos Tribunais vem sendo a principal causa de impugnação de
candidaturas por parte do Ministério Público Eleitoral. Além disso, retira a
possibilidade de o Tribunal de Contas atuar tempestivamente para corrigir
desvios e assegurar o imediato ressarcimento do dano ao erário, já que as
prestações de contas anuais não são julgadas pelo Poder Legislativo em prazo
inferior a seis meses contado do encerramento do exercício em que o desvio
ocorrer.
8. Por outro lado, seguindo a tese contrária à do Relator,
os Tribunais de Contas não poderão aplicar sanções nem imputar débitos, quando
o prejuízo ao patrimônio público decorresse de ordenação de despesas feitas
pelo Chefe do Poder Executivo, apesar de a Constituição da República,
expressamente, conferir aos Tribunais de Contas – e não às Casas Legislativas –
a competência para proferirem decisões com eficácia de título executivo contra
quaisquer responsáveis por desvio de bens e dinheiros públicos.
9. Outra consequência indesejável que pode advir de um
retrocesso jurisprudencial do STF é o de estimular que todos os prefeitos e até
Governadores e o Presidente da República possam, eventualmente, assumir a
ordenação de despesas, o que tornará letra morta as principais competências
conferidas aos Tribunais de Contas pela Constituição Federal, notadamente o
artigo 71, II, VIII, §3º: julgar contas de gestão, determinar ressarcimentos
por prejuízos causados ao erário e aplicar sanções a gestores que cometeram
graves irregularidades.
10. Caso seja retirada essa competência constitucional dos
Tribunais de Contas, mitiga-se, por conseguinte, a igualdade entre as pessoas
federativas da República. De fato, quando o prefeito é ordenador de despesas de
verba oriunda do Governo Federal, por meio de convênios ou acordos com órgãos
federais, não se questiona a competência do TCU para julgar diretamente as
contas dos prefeitos em relação aos convênios, inclusive impondo débito e aplicando
multas. Esta diferenciação entre verba federal, de um lado, e verbas estaduais
e municipais, de outro, não encontra lógica e consistência no texto
constitucional. Do contrário, equivaleria a dizer que, em uma mesma obra, com
contrapartida de recursos municipais, a verba federal teria um controle
técnico, enquanto a verba municipal se submeteria apenas a um controle político
das Câmaras Municipais, sem atuação do Ministério Público de Contas para
assegurar a observância das garantias constitucionais das partes, sujeita tão
somente ao jogo partidário, o que não é condizente para esse tipo de controle e
com o Estado Democrático.
11. Por todo o exposto, ao tempo em que compartilhamos essa
importante questão com a sociedade brasileira, ressaltamos nossa confiança e
exortamos o Egrégio Supremo Tribunal Federal, especialmente neste contexto em
que o cidadão exige efetividade, rigor técnico e imparcialidade na fiscalização
e no julgamento da aplicação dos recursos públicos, a manter o entendimento já
consagrado por todos os 34 Tribunais de Contas do Brasil, Justiça Eleitoral,
Ministério Público Federal e do próprio STF (ADC 29 e ADC 30), seguindo o voto
já proferido pelo relator do processo. Em assim não prevalecendo, estaremos
testemunhando um dos maiores retrocessos republicano e democrático e um
ferimento de morte na Lei da Ficha Limpa.
Brasília, 06 de agosto de 2016.
Valdecir Fernandes Pascoal
Presidente da Associação dos Membros dos Tribunais de Contas
do Brasil – Atricon
Thiers Vianna Montebello
Presidente da Abracom – Associação Brasileira dos Tribunais
de Contas dos Municípios
Marcos Bemquerer Costa
Presidente da Associação Nacional dos Ministros e
Conselheiros- Substitutos dos Tribunais de Contas – Audicon
Julio Marcelo de Oliveira
Presidente em exercício da Associação Nacional do Ministério
Público de Contas – Ampcon
Amauri Perusso
Presidente da Federação Nacional das Entidades dos
Servidores dos Tribunais de Contas do Brasil – Fenastc
Lucieni Pereira
Presidente da Associação Nacional dos Auditores de Controle
Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – ANTC
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